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Foto do escritorFelipe Boclin

A nova onda de adaptações literárias no streaming impulsiona autores brasileiros


O sucesso de séries policiais e adaptações cinematográficas está posicionando o Brasil no mapa mundial do gênero. 



 







Quando, em 2016, a revelação da ficção policial brasileira, Raphael Montes, declarou que "a literatura não deve viver longe do entretenimento", ele não tinha ideia de que estava apontando para uma tendência da qual ele mesmo seria uma figura de destaque: a de autores brasileiros que combinam excelência na escrita com apelo comercial, chamando a atenção das plataformas de streaming, canais e produtoras. 


Naquela época, as plataformas conquistavam cada vez mais o coração do público brasileiro e respondiam investindo em produções audiovisuais nacionais para criar e transpor conteúdos e histórias, explorando gêneros e subgêneros, impulsionados pelo novo e exigente público de streaming. 


Da marcante série nacional diatópica "3%", da Netflix, ao pós-terror "Desalma", do Globoplay, criada pela romancista Ana Paula Maia, a produção audiovisual brasileira, especialmente na TV, está criando uma identidade para um público local ávido por histórias com identificação local, mas também com novas referências globais. 



 Se há um subgênero que unificou o público em todo o mundo, é sem dúvida "crime e investigação". A popularidade de histórias de crimes reais e fictícias traz fórmulas que ressoam em todos os dados demográficos e formatos. Depois de uma superabundância de produções policiais nos últimos anos, o subgênero está passando por uma renovação. Um estudo recente publicado pela Parrot Analytics indica uma tendência positiva no mercado americano, onde representa 2,3% da demanda em todos os subgêneros, a maior participação nesta categoria entre todos os mercados globais. 


O boom do consumo de histórias policiais também pode ser medido pelo crescimento exponencial dos podcasts e pelo volume de vendas no mercado literário. Mais de meio bilhão de livros de crime, suspense e aventura foram comprados em todos os formatos entre 2013 e 2022 no Reino Unido, o que equivale a aproximadamente 100 compras por minuto, com £ 2,5 bilhões gastos pelos consumidores durante esses anos, de acordo com a Nilsen - Books & Consumers. O gênero é consistentemente classificado como a maior área do mercado de livros e, em 2022, crime e suspense representaram 12% das compras de livros impressos, quase um quinto dos audiolivros e mais de um terço dos e-books. Além disso, 40% dos compradores de livros no Reino Unido dizem que leem livros de crime e suspense, pelo menos 10% à frente de qualquer outro gênero da lista, acrescenta Nilsen. 


Uma solução de conteúdo eficiente sempre foram as adaptações literárias, que têm sido consistentemente fontes de sucesso criativo e comercial. Um relatório recente publicado pelo Observatório Europeu do Audiovisual indica que 12% de todas as obras de ficção audiovisual produzidas na Europa entre 2015 e 2022 foram adaptações – o equivalente a 1.189 adaptações para filmes e séries de televisão. Desse total, 77% das adaptações são provenientes de obras literárias, com as plataformas de streaming liderando 19% do volume de produção entre canais privados e públicos, entre outros. 



Além disso, a presença de produtores e executivos audiovisuais nas principais feiras do mercado literário cresce a cada ano. É o caso da Feira do Livro de Londres, que está rapidamente a caminho de se tornar o novo evento obrigatório para a indústria cinematográfica. O diretor da LBF, Gareth Rapley, não está surpreso. "Um livro é quase como um batimento cardíaco para a criação de conteúdo", disse ele em março deste ano. 


Não demorou muito para que os algoritmos gritassem uma alta demanda pelo gênero em todos os principais mercados de produção do mundo. E no Brasil, não é diferente, pois temos um longo histórico de adaptações bem-sucedidas de obras policiais. Para citar apenas alguns autores, Rubem Fonseca, Marcelo Rubens Paiva, Garcia Roza, Paulo Lins, Marçal Aquino, Sérgio Sant'Anna, Jô Soares, Luis Fernando Veríssimo e muitos outros tiveram suas obras adaptadas nas últimas décadas. 


Em 2019, Raphael Montes lançou seu quinto romance, "Uma Mulher no Escuro", pelo qual ganhou o Prêmio Jabuti. Foi um dos livros mais vendidos do ano. Seu sucesso o levou à Netflix com a série "Bom Dia Verônica, Verônica", baseada no romance que ele co-escreveu com Ilana Casoy, que estreou em 2020. Esse se tornou o caso essencial para as plataformas encontrarem uma narrativa "global", mas brasileira. Vale ressaltar que Ilana Casoy, além de autora de livros amplamente aclamados, é criminologista especializada nos perfis psicológicos de criminosos, principalmente seriais killers. Ilana foi consultora de uma das séries de maior sucesso internacional da Globo, o seriado de suspense criminal "Dupla Identidade", criado por Gloria Perez. 



O hit "Bom Dia, Verônica" chegou ao top 10 da Netflix e teve três temporadas produzidas, provocando uma onda de produções sob a marca Raphael Montes: filmes, séries, minisséries e até novelas. O segredo de Raphael Montes? Ele usa os elementos que funcionam nas produções mainstream enquanto adiciona um sabor brasileiro: a paisagem local, os sintomas, qualidades e falhas do país, e ele tem um grande talento para o diálogo. Ele sabe bem o que está sendo produzido no gênero aqui e no exterior, tornando-o um verdadeiro especialista. Bingo! 

    


O sucesso de Raphael Montes teve impactos significativos: seu nome ligado a produções aumentou as vendas de seus livros e levou à sua tradução para outros idiomas. O que ele recomenda chama a atenção de sua base de fãs, bem como de produtores e canais. Em menos de uma década, Montes viu quase todo o seu trabalho adaptado ou em desenvolvimento. O impulso para o gênero suspense dado por Raphael Montes abriu caminho para que escritores jovens e mais velhos ganhassem destaque nas preferências e listas de best-sellers. Eles também chamaram a atenção de produtores e plataformas de streaming. 


Durante o Rio2C deste ano, a Netflix anunciou a adaptação do livro 'Pssica' do escritor paraense Edyr Augusto, lançado em 2015, em uma minissérie. O projeto será produzido por Andrea Barata Ribeiro da O2 Filmes, com direção do premiado Fernando Meirelles. Ambientado na Belém urbana e na região amazônica, a trama de "Pssica" aborda temas como sequestro de mulheres, estupro, tráfico de drogas, prostituição infantil e, claro, corrupção. Edyr é um romancista policial com vários títulos lançados no Brasil e na França, onde é muito conceituado. A "descoberta" do autor pode estar ligada à onda provocada por Montes. 

  


Ainda durante o Rio2C, dois projetos foram apresentados por um autor celebrado por Montes e Edyr Augusto: Luiz Biajoni. Com vários títulos publicados, Biajoni "renovou a literatura policial brasileira", segundo Montes, com seus romances "A Comédia Mundana" e "Elvis & Madona". Os romances de Biajoni apresentam personagens bem construídos em um mundo de hipocrisia e barbárie. Seu romance mais recente, "O Crime no Edifício Giallo", foi saudado pela crítica como uma mistura de Agatha Christie e Nelson Rodrigues. "Eu sou um fã", declarou Edyr. 



 Os projetos das séries baseadas em "A Comédia Mundana" e "O Crime no Edifício Giallo" estão em desenvolvimento através da agência de negócios audiovisuais The Creators Bridge, ambos com roteiros de episódios piloto já escritos em colaboração com Eduardo Brand. 


"É sobre o fascínio insaciável do público por histórias que intrigam, que exploram os aspectos mais sombrios da vida urbana e o misterioso conflito das relações humanas; trata-se de querer saber o que acontece atrás da porta do apartamento ao lado e como tudo se conecta no final", diz Brand.  

  

Outro autor nacional na mesma linha é Roger Franchini, ex-investigador da polícia civil de São Paulo. Com obras baseadas em fatos reais, sempre usando como base os arquivos de processos de investigações criminais, Franchini escreve em um estilo fluido e visual sobre alguns dos crimes reais mais brutais registrados no país, como os casos Richtofen e Yoki. Ele também fornece detalhes intrigantes dos bastidores do trabalho policial, um assunto que ele conhece bem. Sua narrativa é irônica, seca e sarcástica, com diálogos acelerados e detalhes ricos sobre o mundo do crime, apoiados por sua experiência como investigador. Ele é um autor que provavelmente em breve verá suas obras adaptadas para a tela. 

    


À medida que as plataformas de streaming buscam soluções eficientes para conteúdo original, os estrategistas de conteúdo entendem que o mercado de adaptações de crimes é uma mina de ouro. Consequentemente, com a demanda exponencial em curso, o mercado de livros se alimenta do mercado audiovisual – e vice-versa. Nesse contexto, o talento dos escritores brasileiros contemporâneos vem se mostrando competitivo e comercial, comparável a qualquer grande mercado global.  

 

Atualizando o brilhante Raphael Montes, "nunca a literatura esteve tão perto do entretenimento". 

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